Um Indígena Visionário

quarta-feira, 13 de julho de 2011

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Caros,
Segue uma notícia interessante sobre Almir Suruí, eleito líder do primeiro parlamento indígena do Brasil, cuja atuação se destaca internacionalmente. Com a preocupação da gestão do território indígena aliada à defesa da floresta em pé, os Suruís elaboraram um plano estratégico para os próximos 50 anos e já firmaram parcerias com entidades privadas, como a Google, além da criação do Fundo Carbono Suruí, que tem como base o sequestro de carbono e a comercialização de créditos de carbono, que em um futuro próximo destinará recursos nacionais e estrangeiros para os índios.  Leia a matéria completa mais abaixo.

Um Indígena Visionário
A articulação de um povo que habita a terra indígena Sete de Setembro tem à frente o líder Almir Suruí, eleito líder do primeiro parlamento indígena do Brasil, cuja atuação se destaca internacionalmente. Com a preocupação da gestão do território indígena aliada à defesa da floresta em pé, os Suruís elaboraram um plano estratégico para os próximos 50 anos e já firmaram parcerias com entidades privadas, como a Google, além da criação do Fundo Carbono Suruí, que tem como base o sequestro de carbono e a comercialização de crédito de carbono, que em um futuro próximo destinará recursos nacionais e estrangeiros para os índios.
Sua articulação tem garantido destaque internacional, tendo sido eleito pela revista norte americana Fast Company como uma das 100 pessoas mais criativas do mundo, em uma lista que inclui apenas dois brasileiros: ele e Eike Batista.  No entanto, sua luta em manter a floresta em pé também tem trazido ameaças de morte, o que o levou no mês passado a buscar apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDHPR).
Almir Suruí falou ao Diário sobre seus projetos e outros assuntos, durante um seminário em Porto Velho, que discutiu a criação da lei estadual de mudanças climáticas para o Estado.

Diário: Como a criação da Lei pode de maneira prática contribuir para a redução dos danos ao meio ambiente?
Almir: A maior dificuldade que enfrentamos hoje, no Estado de Rondônia, é que ainda não temos essa política estadual que define como estarão atuando junto com o governo Federal e municípios. Então isso traz grandes dificuldades para a gente, porque o Estado também tem que ter seu regulamento. Hoje temos dificuldade de como inserir [a lei], mas por outro lado o governador tem se posicionado apoiando e mostrando interesse de ajudar a construir as políticas e fazer isso acontecer no Estado. A lei poderia discutir um fundo de mudança climática estadual, onde a gente poderia também estar capacitando e melhorando a profissionalização da população sobre uso dos recursos naturais. Além de dar oportunidade de financiar projetos ambientais, pode estar apoiando a formação da população. Isso vai possibilitar que fique não só no discurso, mas na prática.
Diário: E como se colocam os povos indígenas nestes debates?
Almir: Povos indígenas são diferentes povos. Tem alguns que realmente entendem, outros que têm dificuldade de entender, então não é o mesmo. Mas em geral eu posso entender que com certeza os povos indígenas têm papel importante na conservação e proteção da biodiversidade sobre floresta para fazer o equilíbrio climático. Então é necessário que sejam ouvidos e garantida a participação dos povos indígenas na construção dessa lei rondoniense para a mudança climática.
Diário: Os povos indígenas também têm constantemente lutado pela defesa de seus territórios. Como essa batalha se alinha à defesa do meio ambiente?
Almir: Defesa do território e defesa do meio ambiente é quase o mesmo. Estamos construindo um plano de 50 anos do Povo Suruí, que dentro dele tem vários programas que geram projetos para a sustentabilidade e fortalecimento da economia do povo Suruí. Então se o povo Suruí tem sua economia fortalecida, a gente também ajuda a fortalecer a economia local, nacional e internacional. E assim criamos modelo que pode ser visto a partir da política econômica, o potencial da floresta sobre o fortalecimento econômico mundial.  Esse modelo pode ser inserido e discutido dentro da política monetária nacional, mas aí não depende da gente inserir essa política dentro da política monetária nacional. É papel do governo.
Diário: Recentemente o senhor sofreu ameaças de morte em função do que defende se chocar com interesses de alguns grupos. O que o senhor pode dizer a respeito disso?
Almir: Hoje, poucas pessoas reconhecem o potencial econômico do meio ambiente de maneira sustentável. A maioria acha que desenvolver localmente é desmatar floresta, fazendo ilegalidades. Eu não defendo isso. Eu defendo que a gente precisa ter um plano responsável de médio e longo prazo de uso sustentável da floresta. Não defendo que a floresta tem que ser intocável. Ela tem que ser usada, mas com plano de responsabilidade, porque aí nós estamos garantindo floresta para o futuro, que são nossos filhos e netos. Então o futuro da política, do desenvolvimento, da humanidade depende da nossa ação, mas não conta com a gente, a gente garante para outros. Portanto, essa luta que a gente tem em conjunto, não só Almir Suruí, mas a maioria das lideranças e toda estrutura de governança do povo Paiter. Temos que trabalhar com esse modelo de construir com município, Estado e União para construir um novo modelo de desenvolvimento econômico, que tenha respeito à visão cultural, ambiental e direitos humanos. Quando a gente trava essa discussão em nível local a gente afeta o interesse de algumas pessoas que querem fazer ilegalidades, retirar madeira ilegal de território. Portanto muita gente acha que o fulano está lá atrapalhando a retirada ilegal de madeira, então começa esse mau entendimento. Mas estamos buscando junto com o governo Federal soluções para isso, ameaças e construção de debate. Não sei se posso falar muito sobre isso.
Diário: Recentemente povos indígenas ocuparam o prédio da Funasa em protesto contra o tratamento de saúde. Além disso, várias irregularidades na gestão saúde indígena têm sido denunciadas.  A que o senhor atribui essa situação crítica?
Almir: Eu fico analisando muito quando acontece esse tipo de reivindicação. Hoje eu vejo que o que está acontecendo é falta de gestão. A equipe de gestores não está preparada para fazer gestão dentro do território indígena, porque acredito que existe recurso suficiente para fazer ações, o que falta é gestão administrativa, política e estratégica. Isso precisa ser discutido com líderes e comunidades de povos indígenas, porque trouxe um vício de fazer o plano com alguns indígenas, e isso não é uma gestão transparente. A questão da saúde, ou melhor, de implantar políticas públicas não é atender interesse de fulano ou sicrano, é atender necessidade do povo. Na semana retrasada estivemos em Brasília e pedimos auditoria dos últimos cinco anos do que aconteceu com os recursos da saúde dos povos indígenas, fundo a fundo.
Diário: O senhor é responsável pelo projeto Carbono Suruí, que trata de inserir os povos indígenas no mercado de créditos de carbono. Como isso pode trazer benefício para índios e para o meio ambiente?
Almir: Hoje o projeto Suruí é um dos melhores do Brasil. Isso porque conseguimos envolver o governo. Temos pareceres importantíssimos do governo brasileiro e estadual, criamos uma ferramenta uma metodologia que garantia a melhor participação do nosso povo na construção e gestão que pode vir com o projeto do Carbono Suruí. Com instrumento usamos diagnóstico, plano de gestão, tudo jurídico, baseado no direito internacional e tivemos um consentimento de trabalhar com projeto de carbono. Pela primeira vez na história do Brasil, baseada na convenção 169 [da Organização internacional do Trabalho – OIT], um povo indígena faz consentimento livre, prévio e informado. Então temos ferramenta e criamos um fundo de gestão que vai gerir o recurso que vamos estar recebendo pelo projeto. O fundo vai ser utilizado para receber o recurso e criar critério de como gastar e como ter resultado do que foi gasto dentro do território. Também prevê como podemos dialogar realmente com política monetária internacional. Só assim vamos fortalecer a construção do modelo que queremos que valorize a floresta. Hoje temos o documento de concepção do projeto pronto, além disso, já estamos analisando três contratos de grandes empresas da Europa e dos Estados Unidos, mas é confidencial. Hoje o projeto está na Funai, que deu um parecer favorável, e o Ministério do Meio Ambiente, através do secretário de Mudanças Climáticas, disse que o governo pode utilizar o modelo, oferecendo para outros povos indígenas ou em unidades de conservação, reservas extrativistas.
Diário: A atuação do povo Suruí, através da elaboração do plano de 50 anos ganhou projeção internacional.  O que isso significa para vocês?          
Almir: Isso mostra que nós indígenas somos pessoas comuns, que têm seus ideais, sua missão e como temos capacidade de construir um futuro para o nosso povo. E esse futuro também contribui com a sociedade e por isso tem sido divulgado bastante. Nós não só falamos do povo Suruí, o beneficiário do projeto na localidade é o povo Suruí, mas isso oferece uma visão mais ampla do futuro para o mundo, colocando o Brasil na lista de como está contribuindo na política internacional de biodiversidade, da mudança climática e outra gestão de recursos naturais existentes no nosso planeta. Nós estamos apenas contribuindo com o governo brasileiro a atingir suas metas e suas políticas de ação porque sentimos, sentimos não, somos brasileiros natos e defendemos um Brasil mais do que um político ou um presidente.
Diário: O que o senhor pode dizer a respeito do Novo Código Florestal?
Almir: Achei um desastre, um atraso para o Brasil. Acho que quando a gente trata de código florestal fica preocupado com o futuro da Amazônia brasileira mesmo.  Uma vez sem querer um amigo meu colono me disse: “Almir sabe como a gente consegue desmatar milhares e milhares de quilômetros? A gente vai passando de localidade em localidade e juntando o que cada um tem direito a desmatar e no final é um só”. Se for essas questões de a gente não ter alternativas, só pensar que desmatar é que desenvolve economicamente, eu vejo um desastre. Povos tradicionais da Amazônia, não só indígenas, mas também seringueiros, ribeirinhos, quilombolas, são testemunhas de como a floresta tem um grande potencial econômico que o Brasil não sabe utilizar ainda porque nunca deu oportunidade para estes povos. Se não fosse nossa iniciativa de lançar o plano de 50 anos não teríamos oportunidades de fazer um diálogo tão grande no mundo e no Brasil, se não tivesse capacidade e essa visão de futuro para o nosso povo.
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