RESÍDUOS SÓLIDOS OU MATÉRIA PRIMA (01 )

domingo, 6 de novembro de 2011

1. Geração de resíduos e metabolismo
A geração de resíduos pode ser tratada sob dois aspectos. Primeiro como um importante produto final do metabolismo humano, em função de sua natureza biológica, movida por necessidades primárias como a alimentação. Em segundo lugar, pelo metabolismo social e urbano que caracteriza o homem como ser social e econômico. Segundo Bérrios (1999), um ser impulsionado por motivações culturais, como no seu limite, o consumismo.

O metabolismo social, repleto de significados subjetivos, pode valorizar ainda mais o conceito de material reciclável que procuramos. Nos dias de hoje, as necessidades primárias - motor do metabolismo biológico - estão cada vez mais subordinadas às necessidades secundárias, como um elemento contido no metabolismo social.

A atual forma de organização das sociedades em grandes aglomerações não se diferencia muito da realidade observada nos países visitados por Lacoste (1985). Essa forma de organização faz aflorar necessidades que estão diretamente ligadas à vida urbana e que raramente são satisfeitas, tais como a necessidade de saneamento e de habitat adaptado à vida urbana. Pelo fato de essas necessidades objetivas resultarem da acumulação de população sobre espaços restritos e/ou disputados, somam-se necessidades secundárias que resultam, em última análise, das modernizações.

Por isso, optamos por utilizar o termo metabolismo urbano, esboçado por Wolman (1972), como o termo que sintetiza as relações entre oferta de espaço e serviços e demanda de necessidades e bem-estar.

Ademais, preferimos utilizar esse termo sintético por entender a sociedade como um organismo; um organismo que se apropria de ambientes. Concordando com Ab’Saber (1995), é no metabolismo urbano onde se processam o dia-a-dia dos homens em suas funções biológicas, assim como as multivariadas funções de trabalho, circulação, consumo e, também, as práticas sociais e culturais.

De qualquer forma, ambos os tipos de metabolismo geram um produto final, um excremento ou uma matéria residual proveniente de diversos processos de apropriação e reprodução da natureza. No caso do metabolismo urbano, o que temos é uma dinamização desta lógica e um produto final rico em materiais potencialmente reutilizáveis em outros processos.

É importante frisar que essa relação natureza-sociedade sofre importantes modificações ao longo do tempo. Segundo Eiseley (1969), as informações que um depósito de lixo pré-histórico apresenta ao arqueólogo, e que podem em muito ser comparadas às análises estratigráficas dos paleontólogos, são exemplo disso. Assim, algumas análises dos resíduos gerados permitem remontar ao tipo de organização de uma sociedade, quais eram os seus conhecimentos tecnológicos e qual a disponibilidade dos recursos naturais, entre outras características.

De modo geral, uma análise do passado aponta que as primeiras comunidades humanas eram bastante pequenas: grupos nômades que coletavam diretamente os alimentos e ferramentas, em função das suas necessidades básicas, de um lado, e da disponibilidade e da proximidade espacial em relação aos recursos, de outro. Essas comunidades geravam resíduos. No entanto, parecia haver um equilíbrio entre a disposição de rejeitos e a capacidade de sua absorção e transmutação pelo ambiente. Sobre este período, entendemos que o metabolismo estava em harmonia com a capacidade da natureza. Nas palavras de Alves (1999: 9): “o lixo estava integrado à vida”.

Com o passar do tempo, através da crescente manipulação tecnológica da natureza e das relações desequilibradas dos homens organizados em sociedade, as formas de utilização dos recursos têm impulsionado o crescimento dos impactos ambientais negativos.

Muitos se referiam às divisões de tempo passado como Era da pedra lascada, Era da pedra polida e Era dos metais e assim sucessivamente. Para os dias de hoje alguns autores, entre eles Mari (2000), propõem a denominação de “era do descartável” ou “era do plástico”, dado que a característica dos tempos atuais é a problemática que se estabelece quando novos e “fantásticos” materiais produzidos pela ciência e pela indústria invadem o nosso cotidiano. Outros autores, como Liebmann (1976), mais radicais ante o processo tecnológico, têm chamado este período de “era do lixo”.

A produção em massa de bens é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência do consumo em massa, e esta relação engendrou modificações na maneira de se pensar os objetos. Diariamente são criados tantos tipos de necessidades quanto aquelas que a indústria resolve determinar, caracterizando o que a Associação dos Ex-Bolsistas da Alemanha (1989) considerou de um aprimoramento da “engenharia de obsolescência”. Uma engenharia que alcança seus objetivos ao propor-se ao que o filósofo Ortega y Gasset (1961 apud WATSON, 1997) chamou de “produção do supérfluo”.

Através da criatividade e da propaganda, consegue-se fazer crer à população que os bens que as empresas desejam produzir sejam imprescindíveis à sua existência. Segundo Galeano (1994), a criação de novas necessidades de consumo, de lazer, entre outras, vem acompanhada de datas específicas para a renovação deste ritual, e a valorização crescente da propriedade, em detrimento do ser e sentir humanos, tem alimentado um pensamento de que “consumindo mais, teremos nossa vida enriquecida”.

Pelo fato de vivermos hoje em um mundo desigual, o resíduo entendido como resultado do metabolismo urbano expõe as diferenças de acesso aos bens de consumo como marcas da desigualdade socioeconômica. O que ocorre, segundo Lacoste (1985) é que nem todos podem consumir igualmente e, mesmo se conseguissem, nosso planeta não suportaria. Devido a restrições ambientais cada vez mais fortes, os padrões atuais de consumo dos países desenvolvidos não poderão ser estendidos ao conjunto da humanidade nos países subdesenvolvidos.

Alguns setores da sociedade dos países desenvolvidos estão convencidos disto e já aceitaram que o desenvolvimento a qualquer custo, nos padrões que conhecemos, está com os dias contados. Uma alteração nos modos de vida parece estar em andamento. Neste sentido é que ganha força a idéia de Montibeller (2000) de considerar o “desenvolvimento sustentável” como sendo o desenvolvimento de um novo modo de vida e ou de produção baseado em cinco sustentabilidades básicas: a social, a econômica, a cultural, a espacial e a ambiental.

No tema que tratamos aqui o desenvolvimento sustentável da reciclagem deve ser entendido como um arranjo, nos padrões pensados por Herrera et al. (1976), entre a produção industrial baseada em tecnologias alternativas – que alguns, atualmente, denominam tecnologias limpas -, a utilização e a reutilização de insumos e matéria-prima e, a gestação de uma ciência e tecnologia apropriada para o desenvolvimento da igualdade entre os homens.

É neste contexto que vem ganhando força a iniciativa de buscar incorporar os trabalhadores catadores, mediante a elaboração de políticas públicas, na atividade de reciclagem, em direção a um desenvolvimento sustentável. Para que isso seja possível num futuro próximo, entendemos que deve haver uma caracterização do que é o resíduo inservível e o que pode ser reutilizado como matéria-prima em outros processos

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